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Coação ilegal

Fisco não pode impedir devedora de emitir nota fiscal
Impedir empresa de emitir talão de notas fiscais para obrigar que ela pague seus débitos com a Fazenda Pública é uma coação ilegal. A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Por unanimidade, os ministros acolheram voto do ministro Luiz Fux, em favor da empresa Irmãos Trespach. Para assegurar o direito de emitir talão de notas fiscais, a empresa apresentou Mandado de Segurança contra o estado do Rio Grande do Sul. A Fazenda proibiu a emissão porque a empresa devia o fisco.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou o pedido. Afirmou que a autorização de impressão de documentos fiscais é um meio válido de fiscalização. O TJ-RS ressaltou, ainda, que os artigos 42 e 39, parágrafo 2º, da Lei estadual 8.820/89, prevêem a exigência de garantias para que inadimplentes possam emitir documentos fiscais. Além disso, o artigo 183 do Código Tributário Nacional não veda a exigência de outras garantias de quitação de débitos previstas em lei.
O recurso da empresa à 21ª Câmara Cível do TJ também foi negado por maioria de votos. A Irmãos Trespach recorreu ao STJ. Alegou desrespeito ao artigo 1º da Lei .533/51 por ter direito líquido e certo. Além disso, ressaltou a divergência da decisão do TJ-RS com o entendimento do STJ. De acordo com a defesa, o STJ tem decidido ser abuso de poder negar a autorização para imprimir documentos fiscais indispensáveis à atividade do contribuinte, como meio coercitivo para o pagamento do tributo.
Por fim, a defesa alegou que a 21ª Câmara Cível contraria as Súmulas 70, 323 e 547 do STF e a Súmula 127 do STJ. A Súmula 70 diz ser inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. A 323 dispõe: inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. E a Súmula 547: não é lícito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
A Súmula 127 prevê que é ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa da qual o infrator não foi notificado do STJ.
Em seu voto, o ministro Fux afirmou que a existência de direito líquido e certo exigiria a apreciação de prova pelo Tribunal, o que é vedado por sua própria Súmula 7. Entretanto, destacou que o artigo 170 da Constituição Federal diz que o Estado não pode limitar a atividade econômica, exceto se houver previsão legal. Também não pode cercear a atividade de uma empresa por ela ser sua credora.
Ele ressaltou que essa atitude, na verdade, dificultaria ainda mais a quitação do débito e acarretaria danos sociais consideráveis. “Exigir a utilização de documentos fiscais e, ao mesmo tempo, negar a autorização para sua impressão é, sem dúvida, interferir diretamente na liberdade de iniciativa, no exercício profissional e no próprio funcionamento do estabelecimento”, afirmou.
As súmulas citadas pela defesa indicariam, de acordo com o ministro, exatamente que a Fazenda não deve interferir nas atividades profissionais de seus credores para fazer cobranças.
Leia a decisão:
RECURSO ESPECIAL Nº 789.781 – RS (2005⁄0174186-6)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por IRMÃOS TRESPACH LTDA., com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Carta Maior, no intuito de ver reformado o v. acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa restou redigida nos seguintes termos:

MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO PARA IMPRESSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS. AIDF.
A prévia autorização para impressão de documentos fiscais é meio de fiscalização. Há expressa previsão legal quanto à exigência de garantia para a impressão de documentos fiscais, no caso de inadimplência fiscal do contribuinte (art. 42, c⁄c o art. 39 e seu § 2º, da Lei Estadual nº 8.820⁄89). Da mesma forma, o art. 183 do CTN autoriza a instituição de outras garantias além das previstas em lei complementar.
Por maioria, negaram provimento, vencido o Relator.

Noticiam os autos que a empresa recorrente impetrou mandado de segurança, com pedido de concessão de medida liminar, objetivando determinação judicial à autoridade coatora para expedição de autorização de emissão de talonários fiscais, o que lhe havia sido inicialmente negado, sob o fundamento de existirem débitos fiscais da impetrante junto à Fazenda Estadual.
O juízo de primeiro grau denegou a segurança, cassando a liminar anteriormente concedida.
A Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça Estadual, por maioria, negou provimento ao recurso, ratificando a sentença de primeiro grau, em aresto cuja ementa encontra-se retro-transcrita.
Irresignada com o teor do acórdão prolatado, a empresa interpôs o presente recurso especial, alegando violação do art. 1º, da Lei 1.533⁄51, bem como a existência de dissídio jurisprudencial com arestos oriundos desta Corte Superior, que entenderam pela configuração de abuso de poder a negativa de autorização para impressão de documentos fiscais indispensáveis à atividade do contribuinte, como meio coercitivo para o pagamento do tributo. Trouxe à baila, ainda, a contrariedade às Súmulas 70, 323 e 547 do STF e 127 do STJ.
Foram apresentadas contra-razões ao apelo nobre, que recebeu crivo positivo de admissibilidade na instância de origem.
Foi intentado recurso extraordinário.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 789.781 – RS (2005⁄0174186-6)
EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. MANDADO DE SEGURANÇA. AFERIÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA DO DIREITO. SÚMULA N.º 07⁄STJ. AUTORIZAÇÃO PARA EMISSÃO DE TALONÁRIO DE NOTAS FISCAIS. EXISTÊNCIA DE DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA. PRINCÍPIO DO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA. ARTIGO 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA N.º 547 DO STF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. NORMA LOCAL. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR.
1. A aferição da existência de direito líquido e certo demanda indispensável reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n.º 07⁄STJ.
2. O Poder Público atua com desvio de poder negando ao comerciante em débito de tributos a autorização para impressão de documentos fiscais, necessários ao livre exercício das suas atividades (artigo 170, parágrafo único, da Carta Magna).
3. A sanção que por via oblíqua objetive o pagamento de tributo, gerando a restrição ao direito de livre comércio, é coibida pelos Tribunais Superiores através de inúmeros verbetes sumulares, a saber: a) “é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo” (Súmula n.º 70⁄STF); b) “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos” (Súmula n.º 323⁄STF); c) “não é lícito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais” (Súmula n.º 547⁄STF); e d) “É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado” (Súmula n.º 127⁄STJ).
4. É defeso à administração impedir ou cercear a atividade profissional do contribuinte, para compeli-lo ao pagamento de débito, uma vez que este procedimento redundaria no bloqueio de atividades lícitas, mercê de representar hipótese da autotutela, medida excepcional ante o monopólio da jurisdição nas mãos do Estado-Juiz.
5. Recurso especial conhecido e provido.
VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Não merece conhecimento o recurso especial no que concerne à suposta existência de violação do art. 1.º da Lei n.º 1.533⁄51, porquanto, para se aferir a liquidez e certeza do direito da impetrante, ora Recorrida, indispensável seria a reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n.º 07 do STJ: “A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial.” Neste sentido, os seguintes arestos:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIQUIDEZ E CERTEZA DO DIREITO. SÚMULA Nº 07⁄STJ. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO À QUAL PERTENCE A AUTORIDADE COATORA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA.
I – Tendo o v. acórdão recorrido, com base no conjunto probatório dos autos, constatado a ausência de certeza e liquidez do direito invocado, a apreciação da pretensa contrariedade ao artigo 1º da Lei nº 1.533⁄51 implicaria, necessariamente, reexame de prova, o que é vedado na via especial (Súmula nº 07⁄STJ).
II – No mandado de segurança, não há litisconsórcio passivo necessário entre a pessoa jurídica de direito público e a autoridade apontada como coatora, pois esta age como substituta processual daquela. Precedentes.
Agravo regimental desprovido.” (AGA n.º 582.947⁄BA, Quinta Turma, Rel Min. Félix Fischer, DJ de 20⁄05⁄2004)

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07⁄STJ. RECURSO ESPECIAL. SALMÃO IMPORTADO. ICMS. ISENÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1.Para se aferir a liquidez e certeza do direito, indispensável é a reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n.º 07 desta Corte Superior.
2. No âmbito das Turmas que compõem a Primeira Seção, o entendimento dominante é o de que, havendo salmão em águas brasileiras, não há falar em isenção sobre aquele oriundo de países signatários do GATT.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (REsp n.º 532.434⁄SP, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 31⁄05⁄2004)
“PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. CORREÇÃO MONETÁRIA. SÚMULAS 271-STF E 7⁄STJ.
1. Embora rotulado como “preventivo” o mandado de segurança objetiva também discutir fatos pretéritos, com efeitos patrimoniais, o que não se coaduna com seus limites. Súmula 271⁄STF.
2. É inviável, em sede de recurso especial, o reexame de matéria fática, no caso para apuração do direito líquido e certo reclamado (Súmula 7⁄STJ).
3. Recurso especial improvido.” (REsp n.º 150.091⁄RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 27⁄04⁄2004)

A Constituição Federal, em seu artigo 170, afirma que o exercício de atividade econômica só pode ser limitada por lei. Por outro lado, o poder público não tem o poder de obstaculizar a atividade de empresa por ser credor da mesma.
Além disso, a cessação da atividade empresarial tornaria mais remota a possibilidade de satisfação do crédito da Fazenda, além de acarretar danos sociais consideráveis.
Desta forma, exigir a utilização de documentos fiscais e, ao mesmo tempo, negar a autorização para sua impressão é, sem dúvida, interferir diretamente na liberdade de iniciativa, no exercício profissional e no próprio funcionamento do estabelecimento, que fica na opção lacônica de encerrar suas atividades e com isso perder a própria possibilidade de arcar com seus débitos, ou exercê-la de forma irregular, somando ao débito já existente, outros em decorrência de autuações, multa, etc.
Nesse sentido pronunciou-se o Ministro Oscar Corrêa, no Recurso Extraordinário n.º 106.759 (RTJ 115-1439):

“ICM. Regime Especial.
Sanções não impostas por lei e entregues ao exclusivo arbítrio da autoridade fiscal.
Inaceitabilidade. Precedentes da Corte.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
…….
Ora, é inaceitável esse arbítrio da autoridade, ilimitado, que não se compadece com o regime de legalidade tributária vigente entre nós, garantia essencial da ordem jurídica”

Ademais, o procedimento coercitivo adotado pelo Fisco impedindo o exercício das atividades da recorrida já se encontra sumulado pelo Supremo Tribunal Federal:

Súmula n.º 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.

Aliás, a ratio essendi das Súmulas n.ºs 70, 323 e 547 do Eg. Supremo Tribunal Federal e n.º 127 deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a Fazenda Pública deve cobrar os seus créditos através de execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte.
É defeso à Administração impedir ou cercear a atividade profissional do contribuinte, para compeli-lo ao pagamento de débito, uma vez que tal procedimento redundaria no bloqueio de atividades lícitas, mercê de representar hipótese de autotutela, medida excepcional ante o monopólio da jurisdição nas mãos do Estado-Juiz.
Sobre a possibilidade do uso de meio coercitivo para cobrança de tributos, esta E. Corte se manifestou no mesmo sentido do esposado pelo Eg. Tribunal a quo, consoante se depreende do julgado de relatoria do eminente Ministro José Delgado, no REsp n.º 315.336⁄RS, cuja publicação se deu no DJ de 20⁄08⁄2001:

“TRIBUTÁRIO. IPI. OBTENÇÃO DE SELOS DE CONTROLE. DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA. ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CARTA MAGNA. SÚMULA Nº 547⁄STF.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que entendeu não ser lícito à autoridade administrativa proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas.
2. O parágrafo único, do art. 170, da Constituição Federal,
estabelece que “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
3. Já a Súmula nº 547⁄STF preceitua que “não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.
4. O art. 147, do RIPI (Decreto nº 87.981⁄82), padece de legitimidade por exceder as raias ditadas pela Lei nº 4.502⁄64, a qual, ao tratar do IPI, remeteu o seu disciplinamento ao”Regulamento”, quanto a produtos nacionais, de rotulagem, etiquetagem, obrigatoriedade de numeração ou aplicação de selo especial que possibilite o seu controle quantitativo.
5. Entrementes, não preceituou a referida Lei legitimar qualquer norma administrativa que condicione o fornecimento de tais selos a prévio pagamento de tributos para cuja cobrança a Fazenda Pública dispõe de fartos e abundantes meios legais e privilégios processuais.
6. É, portanto, totalmente ilegal e abusiva a condição mais enérgica criada pela autoridade fiscal para cobrar os créditos da Fazenda Pública.
7. Recurso não provido.”

Por fim, acerca do tema, destaque-se o ERE n.º 115.452, Segunda Turma, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 16⁄11⁄90:

“Constitucional. Tributário. ICM: regime especial. Restrições de caráter punitivo. Liberdade de trabalho. Constituição Federal de 1967, art. 153, § 23, Constituição Federal de 1988, art. 5º, XIII.
1.O regime especial do ICM, autorizado em lei estadual, porque impõe restrições e limitações à atividade comercial do contribuinte, viola a garantia constitucional da liberdade de trabalho (Constituição Federal de 1967, art. 153, § 23; Constituição Federal de 1988, art. 5º, XIII), constituindo forma oblíqua de cobrança do tributo, assim execução política, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre repeliu ( Súmulas 70, 323, 547)”

Ex positis, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao presente recurso especial.

É como voto.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de março de 2007

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