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Artigo | Humanos e Divinos

Vivemos em um momento de rápidas e profundas mudanças no trabalho, na sociedade, na cultura e na vida das pessoas. Isso gera grandes implicações para a sociedade como um todo. A realidade da educação à distância e do home-office chegou de forma avassaladora em função do distanciamento e isolamento social, por conta da pandemia de Covid-19. O home-office já era uma tendência antes mesmo da pandemia.

Se fotografarmos o mundo hoje a foto será colorida, exuberante e, ao mesmo tempo, em preto e branco, desbotada, sem brilho e quase sem vida. Uma foto com múltiplas imagens se encontrando e desencontrando, cheia de ligações e contradições. A realidade é vista conforme a posição em que a pessoa ocupa na sociedade e sua consciência do factual.

As transformações atuais precisam ser vistas de maneira bidimensional. Atualmente, vivemos um processo que acentua a exclusão e a precarização do trabalho. Ou seja, a riqueza é distribuída de forma injusta. Uma diarista de Belo Horizonte nos relatou que durante todo o mês de abril conseguiu apenas uma diária no valor de R$ 150,00. A pobreza se agravou no Brasil com a pandemia. É preciso, então, entender as transformações no mundo do trabalho a partir de seus efeitos perversos sobre as pessoas, especialmente daquelas que dependem do trabalho para sobreviver, como a diarista do Buritis, em Belo Horizonte.

Nesta perspectiva devemos vislumbrar além do retrato. Isto é, avançar na compreensão do que está causando as mais recentes transformações. Por outro lado, é preciso enxergar as novas possibilidades que o atual processo de transformação traz para as organizações sociais e, a partir delas, construir novas perspectivas na nossa luta por um mundo mais irmão.

A própria palavra crise pode significar um momento de desestruturação, mas também de ruptura para a construção de algo novo, onde não só se aprofunda a destruição de uma determinada situação, mas se criam novas possibilidades. É preciso reconhecer que as mudanças, as guerras e as pandemias trazem muitas incertezas, destruindo e recriando os elementos que organizam uma sociedade, assim como acontece na vida das pessoas.

Hoje são aproximadamente 40 milhões de “invisíveis” que não têm carteira assinada ou emprego fixo. Estas pessoas vivem à margem do sistema produção-distribuição-consumo. É um absurdo termos tanta gente sem trabalho no Brasil, um país que tem muitas carências sociais. Por que não gerar empregos construindo casas populares para atender os que não possuem moradia ou moram precariamente? Lembrando que a construção civil é indutora de desenvolvimento econômico e geradora de muitas oportunidades na cadeia produtiva. Por que não investir em saneamento básico, educação, saúde, restauração de estradas, energias alternativas – como a fotovoltaica, que empregam muita gente? Assim, o enfrentamento do problema do desemprego em tempos de pandemia passa pela defesa de um novo modelo de desenvolvimento, pensado por Celso Furtado, centrado na pessoa humana que distribua a riqueza produzida de forma mais justa.

Um aspecto fundamental a ser considerado pela Academia, em especial a nossa UNIMONTES, é o grau de heterogeneidade da sociedade norte-mineira e brasileira que, além de desigual, possui profundas diferenças em sua composição. Convivemos, ao mesmo tempo, na região Norte do Brasil com trabalho análogo ao de escravo e com ilhas de excelência na região Sudeste. Essa grande diferença entre as pessoas, regiões e a forma pela qual se inserem na estrutura ocupacional, traz uma dificuldade prática de aglutinar, reunir pessoas tão desiguais e com interesses distintos numa mesma perspectiva.

Como criar uma identidade comum entre elas? Exemplo: o interesse da doméstica ou da diarista do Buritis é o mesmo do trabalhador de classe média ou do servidor público? Como conciliar os interesses e criar uma identidade comum entre o camelô da Rua Rui Barbosa e o comerciário da Rua Dr. Santos? Entre os servidores públicos e os trabalhadores que utilizam os seus serviços? Há um cálculo do Dieese revelando que mais de 30% das pessoas ocupadas no Brasil têm uma relação de dependência direta com a elite brasileira, prestando-lhe diversos tipos de serviços, desde a cozinheira, faxineira, porteiro, motorista até o decorador e o engenheiro e o arquiteto.

Este é o desafio!

Sobre qual futuro devemos nos debruçar!

Uma das condições para a construção de movimentos sociais é a existência de uma identidade comum. Isto é, interesses que as reúnam em torno de um determinado objetivo.

Segundo Sebastião Marcial Sobrinho, “cada vez que penso na criação, me marcam duas imagens. Na primeira, Deus trabalha o barro, o molda e cria… o homem e a mulher. Na segunda, sopra o ar da vida na narina. Vibro ao imaginar que Deus trabalhou e que partilhou conosco sua vida. Cada ser humano perambulando por esta terra tem um pouco da vida de Deus em si.

É só respirar! Sinta-se à vontade, inspire, expire e Deus nos entrega a Criação. Crescei-vos e multiplicai-vos. Dominai a terra e tudo que nela existe – para zelar, criar e viver. Assim se mistura o humano e o divino.”

Não sei se é ousadia perguntarmos: O que é mais sagrado? O trabalho ou a criação?

Parece que Deus quis nos dizer que um não existe sem o outro.

A vida começa com o trabalho. O trabalho nos torna humanos e divinos!

Gustavo Mameluque é jornalista e Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.
Colunista do Jornal de Notícias aos sábados. Gestor Fazendário na SRF Montes Claros.

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