GREVE E NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO SERVIÇO PÚBLICO NO CONTEXTO DO DIREITO SINDICAL. Dezembro/2013
Ellen Mara Ferraz Hazan.
“As vezes, o direito ao trabalho não é outra coisa que o direito à miséria”(1)
Introdução.
A Constituição de 1988 adotando o Estado Democrático de Direito inaugurou novos paradigmas, dentre eles o de uma relação institucional entre servidores e a administração pública, não mais pautada na desvalorização do servidor ou no não reconhecimento de sua condição de trabalhador.
Pretende nossa carta uma relação democrática da administração com seu corpo funcional, tanto que não se limitou a assegurar as liberdades civis, mas também criou instrumentos para garanti-las, como a permissão da pronta mobilização em sinal de protesto e repúdio a abusos de poder que as coloquem em ameaça.
Quando a ordem jurídica fala de igualdade em relação aos Direitos Humanos e Sociais da classe que vive do trabalho (marco teórico das Constituições do século XX) pretende a integração do cidadão ao projeto de construção da igualdade material, considerada absolutamente essencial para que se efetive, concretamente, o exercício dessa liberdade.
Assim, o Direito vem para instrumentalizar a realidade, devendo induzir comportamentos na direção efetiva da justiça social. Foi em razão desse pressuposto que a Carta de 1988 adotou o que se costuma denominar de segunda dimensão dos direitos humanos: a greve, a liberdade de associação sindical e a negociação coletiva, todos com status de direito social fundamental.
Apesar de a administração pública, para além da simples atenção à Lei, dever guardar respeito e respeitar as normas constitucionais, não assistimos esse cumprimento.
Estamos experimentando um abismo entre o que determina a Constituição de 1988 e as atitudes dos governos brasileiros em razão destes resistirem ao cumprimento das normas constitucionais.
Como entender tal resistência?
Alguns doutrinadores afirmam ser normal esse embate quando da alteração de paradigmas de Estado. Dizem que o Estado leva algum tempo para se adequar aos novos paradigmas. Será?
Ainda que concordássemos com essa alegação, temos mais de vinte anos de vigência do novo paradigma e até então o Estado se coloca contra o cumprimento das normas constitucionais.
O que constatamos é que os entes públicos, que deveriam ser os primeiros a cumprir e a exigir o cumprimento das normas constitucionais, agem contra a lei.
Outros doutrinadores destacam que nem sempre a ordem jurídica constitucional se adequa aos interesses econômicos e de poder dos Governos e que esses, resistem se adequar àquela, em clara defesa do econômico e desprezo pelo social. É provável, especialmente para aqueles que acham que as normas jurídicas constitucionais devem se adequar ao interesse econômico e não o contrário, como deve ser.
Enfim, o que nos interessa é evitar entrar nas discussões pautadas por aqueles que defendem a não efetividade das normas constitucionais.
Temos que exigir o cumprimento delas, especialmente pela administração pública.
Dentro dessa lógica, de efetivação dos direitos humanos e sociais dos trabalhadores brasileiros é que pretendemos analisar alguns dos reflexos, no mundo do direito coletivo dos trabalhadores públicos, da edição do Decreto no. 7.944, de 06 de março de 2013, que promulga a Convenção 151 e a Recomendação 159 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Alguns apontamentos históricos e conjunturais.
Mundo
Até o término da segunda guerra mundial a sindicalização e a negociação coletiva eram tidas como “privilégios” dos trabalhadores do setor privado, regendo-se os servidores públicos exclusivamente pelas regras do Direito Administrativo.
A proibição de sindicalização era sustentada no argumento de que a organização administrativa assentava-se na ordem hierárquica, sendo a intervenção de forças sociais e econômicas nesse regime, incompatível com a autoridade do Estado.
Naquele paradigma, o Estado era tido como modelo de bom empregador e os sindicatos profissionais como os agentes das greves e badernas.
Ora, argumentavam os defensores da proibição da sindicalização, se naquele período o direito de greve aos servidores públicos não era reconhecido e sim, vedado, não se lhes poderia autorizar a sindicalização e os demais direitos sociais dela decorrentes. Esse era o argumento para se negar direitos de organização aos servidores públicos!
Já quanto à negociação coletiva, também para os servidores públicos, afirmava-se obstáculo à mesma na suposta dificuldade que o Estado teria para transigir, especialmente por estarem as condições salariais e econômicas dos funcionários públicos, incluídas nas verbas orçamentárias do Estado que necessitam ser previamente aprovadas.
Outro argumento para se lhes negar os direitos sociais, estava fundamentado no entendimento de que os servidores públicos eram regidos por um regime institucional e não contratual razão pela qual não se lhes aplicava qualquer norma relativa ao contrato de trabalho.
Estas foram às bases da discussão, até o final da década de 50, para se negar ao servidor público o direito de organização sindical, de negociação coletiva e de greve.
A partir da década de sessenta do século passado, consolida-se o direito a sindicalização no serviço público em vários países e começa a expandir o debate sobre a possibilidade de negociação coletiva do servidor ou trabalhador público, até mesmo porque as greves do setor aconteciam, de maneira forte, independentemente de autorização legislativa.
Tal debate e, especialmente em razão das fortes greves do setor, acabou por fazer com que o sistema se manifestasse no cenário internacional, através da sua organização OIT (Organização Internacional do Trabalho) Convenções números 87, 98, 151 e 154 e Recomendação 159.
A convenção 87 da OIT – não ratificada expressamente pelo Brasil –(1) em seu art. 2º assegura aos trabalhadores e empregadores, sem nenhuma distinção (dos setores público e privado), o direito de constituírem organizações de sua escolha e se filiarem a elas.
Assim, exclui-se a distinção entre servidor público e privado, no cenário internacional, para efeitos de organização sindical.
A convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil, ao referir-se a negociação coletiva no serviço publico, assevera que:
“a legislação nacional deverá determinar o alcance das garantias previstas na presente Convenção, no que se refere à sua aplicação às forças armadas e à policia”.
A convenção 151/78 da OIT, sobre relações de trabalho na função pública, prevê que os agentes públicos devam beneficiar-se de uma proteção adequada contra os atos de discriminação capazes de implicar atentado à liberdade sindical, explicitando na parte IV, sobre os procedimentos para fixação das condições de trabalho, que devem ser tomadas:
“… medidas adequadas às condições nacionais para encorajar e promover o desenvolvimento e utilização plenos de mecanismos que permitam a negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as organizações de trabalhadores da Administração Pública ou de qualquer outro meio que permita aos representantes dos trabalhadores da Administração Pública participarem na fixação das referidas condições…”
(1). Afirmamos “expressamente” vez que no nosso entendimento o art. 8º da CR/88, adota, sim, os princípios e previsões de referida Convenção, como explicitamos em outro artigo e em razão da OIT, no ano de 1998, ter declarado que essa convenção tem status de direito fundamental, agregando-a na Constituição da OIT que obriga a todos os países membros a cumpri-la independe de ratificação.
Interessando destacar a previsão do artigo 8 da Convenção 151/OIT, que trata da solução de conflitos. Afirma:
“… A solução de conflitos surgidos em razão da fixação das condições de trabalho será buscada de maneira adequada às condições nacionais, por meio da negociação entre as partes interessadas ou por mecanismos que dêem garantias de independência e imparcialidade, tais como mediação, a conciliação ou a arbitragem instituídos de modo que inspirem confiança às partes interessadas…”
Essa Convenção, 151 foi ratificação pelo Brasil e sua edição restou realizada através do Decreto 7.944, de 6 de março de 2013, o que representa a autorização para a negociação coletiva do setor público.
E mais, como a negociação coletiva no Brasil tem status de direito fundamental sindical, a negativa da mesma ou sua recusa, deve ser considerada como ato antisindical.
Juntamente com a ratificação e edição da Convenção 151 da OIT, o Brasil, através do mesmo Decreto (1944/2013) editou a Recomendação 159 sobre as relações de trabalho na administração pública.
Tal recomendação explicita, em seu parágrafo segundo, item / alínea 1 que:
“… 1) Em caso de negociação das condições de trabalho de conformidade com a Parte IV da Convenção sobre as Relações de Trabalho na Administração Pública, 1978, os indivíduos ou órgãos competentes para negociar em nome da autoridade pública, e os procedimentos para pôr em prática as condições de trabalho estabelecidas, deveriam ser previstos pela legislação nacional ou por outros meios apropriados…”
O item “2” desta recomendação destaca:
“… 2) No caso em que outros mecanismos que não a negociação forem utilizados para permitir aos representantes dos trabalhadores na Administração Pública participar na fixação das condições de trabalho, o procedimento para assegurar essa participação e para determinar de maneira definitiva tais condições deveria ser previsto pela legislação nacional ou por outros meios apropriados.
Ainda mais esclarecedora é a redação dada ao item “3” da referida recomendação:
“..3) Ao se concluir um acordo entre a autoridade pública e uma organização de trabalhadores da Administração Pública, em conformidade com o parágrafo 2, alínea 1), da presente Recomendação, seu período de vigência e/ou seu procedimento de término, renovação ou revisão deve ser especificado.
Temos assim, desde 1978 para o mundo, e o Brasil está nele inserido, principalmente após a Carta de 1988, o reconhecimento das organizações sindicais dos servidores públicos, com plenos direitos para o exercício do direito de greve e de negociação coletiva.
Entretanto, não tem sido esse o entendimento majoritário da doutrina brasileira, muito menos dos próprios servidores, razão pela qual, em tópico específico, vamos retornar a análise das consequências da ratificação das Convenções 151 e 159 da OIT, pelo Brasil.
Acrescente-se que em recente seminário ocorrido no Tribunal Superior do Trabalho (25/11/2013), alguns de seus membros já destacam o entendimento de a negociação coletiva no setor público ser não só possível, mas obrigatória.
Não obstante, é de se esclarecer, em nossa pequena análise histórica, que o mundo de hoje mudou!!
Estamos ainda no sistema capitalista, porém não mais no seu viés de Estado Social (marco das Constituições do século XX), mas sim de liberalismo econômico.
Só que o paradigma de Estado Social, está vigente nas Constituições da maioria dos países ocidentais, como é o caso do Brasil e esse está sendo atacado pelos governantes liberais de forma contundente.
Para nós entre a vontade do capital liberal e as nossas Constituições sociais, deve prevalecer as Constituições.
Entre o lucro e as pessoas, optamos pelas pessoas.
Ademais, as Cartas Constitucionais sociais, vigentes, podem representar, se cumpridas, um freio ao apetite do capital e desses governos no desmantelamento dos direitos sociais, como o que ocorre no Brasil e no resto do mundo.
O embate segue e, pelo menos até que ele se explicite de forma global com o desmantelamento da ordem jurídica social (alterando as nossas constituições para o paradigma liberal), entendemos que o melhor a fazer é lutar pela efetividade dos direitos sociais, sem qualquer moeda de troca.
Repetimos: Sem qualquer moeda de troca!!!
Brasil.
Organização sindical dos servidores públicos.
Os direitos sociais dos servidores públicos no Brasil vêm sendo ora negados, ora não efetivados de forma contrária às Convenções e Recomendações da OIT (organização da qual o Brasil faz parte devendo se submeter às suas normas).
Deixando de lado, por ora, a discussão sobre a sujeição da legislação nacional à editada pela OIT, constatamos que até a Carta de 1988 era defeso, ao servidor público brasileiro, se organizar sindicalmente. (art. 566 da CLT).
Nesse aspecto, a Carta de 1988 é clara e não existe mais qualquer posicionamento que negue, ao servidor público, o direito de organização sindical, salvo para os militares (art. 142 da CR/88).
Assim, o servidor público brasileiro, a partir de 1988, passa a ser sujeito de direitos e obrigações, podendo coletivamente se organizar.
Greve no setor público brasileiro.
Quanto ao direito de greve, até a Constituição brasileira de 1937, foi ele ignorado nos textos legais.
A primeira manifestação legislativa sobre greve veio inserida no Código Penal, definindo como crimes os atos que visassem causar ou provocar cessação ou supressão de trabalho por meio de ameaças ou violência, para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de salário ou serviço.
Com a Carta Política de 1937, a greve foi proibida e caracterizada como recurso antisocial, nocivo ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses de produção nacional (conceito fascista ). Art. 139.
Por sua vez a C.L.T., (Consolidação das Leis do Trabalho) expedida na vigência da Carta de 1937, impunha sanções aos que abandonassem o serviço coletivamente e sem prévia autorização do tribunal competente (art. 723) e ia mais além, punia as associações profissionais e até terceiros estranhos à relação em conflito que contribuíssem no sentido de estimular ou instigar as paralisações.
Em 1946, pouco antes da promulgação na nova Carta Constitucional, a greve foi reconhecida como direito (art. 178), vinculado à regulamentação de seu exercício, por Lei.
Veio o Decreto-Lei 9070, de 15 de março de 1946 e disciplinou a greve, mas não para os servidores públicos.
Posteriormente veio a Lei 4330, de 1 de junho de 1964, que ao regular o direito de greve, na verdade impediu o seu exercício, através de grandes restrições e condições prévias.
A Carta de 1967 manteve a greve como um direito, excetuando os serviços públicos e atividades essenciais, o que foi mantido na Emenda Constitucional de 1969.
Após, veio o Decreto-Lei 1.632 que definiu e aumentou a relação das atividades essenciais e, no ano de 1978, com relação ao serviço público a Lei 6.670, de 17 de dezembro, definiu como crime contra a segurança nacional “a paralisação ou diminuição do ritmo normal do serviço público ou atividade essencial definida em lei, e ainda a paralisação coletiva por parte dos funcionários públicos.
A Lei 4330 de 1964 que conceituou juridicamente a greve e estabeleceu condições para o seu exercício para o setor privado e a Lei 6670/78, perduraram até a Carta de 1988 e, um ano após, foi publicada a Lei 7783/89 que, expressamente, afirma que suas previsões não se aplicam aos servidores públicos (art. 16).
O certo é que a greve, em 1988, foi elevada à categoria de direito fundamental para todos os trabalhadores, inclusive servidores públicos – artigos 9º e 37 da CR/88.
Hoje, o direito de greve é um direito político, uma conquista Constitucional prevista pelo art. 9º e 37 como um dos direitos e garantias fundamentais da sociedade.
Destacamos, por necessário, que a greve não pode ser tratada como um direito possessório, razão pela qual a utilização de interditos proibitórios para impedir sua realização ou mesmo a atuação sindical nos locais de trabalho, são atos antisindicais e crime contra a organização do trabalho.
A Carta de 1988 garante o amplo exercício desse direito fundamental como instrumento de pressão política; de reivindicação econômica ou; mesmo de solidariedade entre os trabalhadores, porém, para os servidores públicos, apesar da possibilidade do amplo exercício do direito de greve, a Carta de 1988, na sua redação original trouxe previsão de que tal direito deveria ser “… exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar”…( art. 37, VII).
Já os servidores públicos militares restaram proibidos do exercício desse direito fundamental, art. 42, § 5º e do direito de sindicalização. Esta proibição restou suprimida pela ED-18/98 e, posteriormente, pela EC-20, voltou através do art. 142 da mesma Carta de 1988.
Não obstante, enquanto a prevista “lei complementar” não vinha, os servidores públicos brasileiros realizaram suas greves, por prazos indeterminados, sem perder suas remunerações, sem intervenção do judiciário e conseguiram importantes vitórias.
Alguns processos foram abertos pelo Poder Público, inicialmente nas varas cíveis fazendárias, contra as paralisações dos servidores, o que ensejou a inauguração de vários e diversos entendimentos judiciais em relação ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos.
Em julgamento, por exemplo, da greve dos servidores federais juízes, o Supremo Tribunal Federal afirmou ser a greve legitima vez que se a lei complementar ainda não havia sido publicada, não se poderia retirar dos servidores o direito de greve pela omissão do Poder Legislativo.
Várias greves de servidores foram legalizadas com esse argumento o que resultou em grande vitória dos movimentos.
Já em outros julgamentos, dos servidores públicos da saúde, por exemplo, o entendimento foi oposto: enquanto não vier a lei complementar o direito de greve não pode ser exercido.
Tais entendimentos, absolutamente antagônicos, nos mostram quão políticas são as decisões dos tribunais superiores, especialmente quando se trata de direitos sociais, como o de greve.
Em 1998, passados dez anos com esses entendimentos doutrinários e jurisprudenciais antagônicos, veio a EC-19/98 que alterou a redação originária do art. 37 inciso VII da CR/88, para substituir a expressão, “lei complementar” pela, “por lei específica”.
A princípio poder-se-ia imaginar que a troca das expressões viria para simplificar a possibilidade de os servidores públicos realizarem greve, e o Poder Legislativo editar lei especifica de greve para o servidor público.
Mas não! A troca de expressão em nada melhorou a situação dos servidores públicos em relação ao exercício do direito fundamental de greve.
Centenas de interditos proibitórios – ações de natureza possessória e não vinculadas ao direito de greve – explodiram no judiciário e esse, entendendo que a expressão “lei específica” não se referia ao servidor público, mas sim ao direito de greve, começou a construir o entendimento de que até que lei especifica fosse publicada sobre greve para servidor público, o judiciário deveria exigir o cumprimento de lei nacional relativa à greve, existente para o setor privado – Lei 7783/89.
Foi a perversidade aplicada através da juridicamente impossível analogia realizada.
A própria lei 7783/89 prevê que seus preceitos não se aplicam aos servidores públicos – art. 16. E mais, por essa lei a greve é ato sindical que somente pode ser exercido após a frustração da negociação coletiva.
Ora, se a negociação coletiva não era tida como possível no serviço público pelo próprio STF, como aplicar uma lei que para o exercício de direito fundamental exige a pratica de outro direito fundamental negado a grande parcela dos trabalhadores brasileiros?
Interessante destacar que durante todo esse período, de 1988 até o ano de 2007, as greves dos servidores públicos, mesmo que consideradas ilegais ou abusivas, obtinham vitórias históricas e, os dias parados não eram considerados como suspensão do contrato de trabalho, razão pela qual, mesmo em greve, os servidores recebiam seus vencimentos, o que sempre foi considerado mais do que justo: Legal!
Mas…. água mole em pedra dura…. tanto se fez, tanto se iludiu e discutiu, tanto se oprimiu, tanto se atacou e concedeu interditos proibitórios que as lideranças dos servidores públicos, e os próprios servidores passaram a pensar não mais sob a lógica da Carta de 1988, considerando a greve como um direito fundamental.
Passaram a adotar a lógica do patrão (Governo), dada pelas interpretações jurisprudenciais e, se renderam ao entendimento de que era necessária uma legislação sobre o direito de greve.
Foi assim que se clamou, ao patrão político, Supremo Tribunal Federal, em ação de Mandado de Injunção, que se suprisse a omissão legislativa para a regulamentação do direito de greve.
Mesmo não sendo possível, técnica e juridicamente o Mandado de Injunção quando se pode aplicar, por analogia, uma lei a um caso concreto, o STF julgou procedente o referido Mandado de Injunção e explicitou seu entendimento: aplica-se, até que lei especifica sobre greve no serviço público venha a ser publicada, a lei de greve do setor privado, ou seja, a Lei 7783/89.
Temos, assim, confirmada a assertiva de JJ Calmon de Passos de que o direito é contaminado pelo político, pelo ideológico e pelo econômico.
Acabaram-se as longas e históricas greves dos servidores públicos; não mais se paga os dias parados; aplicam-se multas aos sindicatos quando esses se recusam a voltar ao trabalho depois de uma ordem judicial; continuam as ações cautelares contra o direito de greve, em suma, o ataque aos direitos sociais e às organizações sindicais continua.
Tudo isso faz com que os servidores públicos, e suas lideranças, comecem a ansiar por aquilo que os patrões públicos sempre quiseram e que a carta de 1988, impedia: a regulamentação do direito de greve.
Não temos qualquer dúvida: qualquer regulamentação do direito de greve dos servidores públicos virá para impedir o livre e real exercício desse direito fundamental, e nem adianta, após a regulamentação, dizer que a lei é inconstitucional, vez que desde 1989, os trabalhadores do setor privado tentam a declaração da inconstitucionalidade da Lei 7783/89 (Lei de greve), em vão.
Outro cuidado que se deve ter, ao discutir esses temas no Congresso Nacional, é o de não vincular a regulamentação do direito de greve com o direito de negociação coletiva. Essa troca será benéfica para o Governo (patrão) ainda mais porque entendemos que o direito a negociação coletiva, do setor público, já está garantido e não deve ser objeto de regulamentação, como se explicitará mais adiante.
Negociação coletiva no setor público brasileiro.
Já vimos sobre o direito de organização, o direito de greve, mas ainda não falamos sobre o direito à negociação coletiva pelo setor público.
Tendo em vista a ratificação da Convenção 151 e da Recomendação 159 da OIT, entendemos que esse direito social, vinculado ao direito de organização sindical e de greve, merece nova interpretação, dentro da hermenêutica constitucional.
A primeira questão que deve ser ressaltada, diz respeito aos princípios especiais do direito do trabalho que se aplicam à matéria.
Ao analisar o princípio trabalhista da proteção, que é aplicável a todas as relações de trabalho no âmbito nacional e internacional, verificamos que as técnicas, por ele determinadas são descritas como: – a obrigação do Estado de intervir nas relações de trabalho, com a intenção de promover legislação que garanta a melhoria das condições sociais, de trabalho e de vida dos trabalhadores, com a finalidade de reduzir a desigualdade de fato entre as partes contratantes; – a promoção da negociação coletiva, concedendo as partes contratantes o poder normativo de criar regras jurídicas para regular as relações entre os sujeitos contratantes e seus representados e; – a greve, como autotutela para garantir à parte reconhecidamente mais fraca na relação de trabalho, a defesa de seus interesses frente ao poder empregatício.
Quanto aos princípios voltados ao direito de organização sindical, ou seja, ao direito coletivo temos: – os que visam garantir condições de surgimento, manutenção e afirmação dos sindicatos, como a liberdade sindical e associativa e, a autonomia sindical; – os que estão vinculados à própria relação entre os sujeitos coletivos, como o da necessidade do sindicato intervir em todas as negociações coletivas e de forma equivalente à outra parte e, para tanto, devem ser garantidos aos representantes dos trabalhadores a estabilidade no emprego, aos trabalhadores o exercício da greve, a lealdade e a transparência nas negociações coletivas; – os que regem os efeitos das relações coletivas perante a comunidade jurídica, até mesmo porque a eles é dado o poder de criar normas jurídicas através da negociação coletiva e isso não pode representar qualquer afronta ao poder legislativo do Estado.
O que podemos, então, afirmar com espeque nos princípios que formam e informam o direito coletivo do trabalho ou o contexto sindical no ordenamento nacional e internacional, é que na medida em que se autoriza a existência de um ser coletivo obreiro, ou seja, os sindicatos profissionais o Estado se obriga, perante esses, a garantir sua existência e todas as garantias a ele inerentes.
Sendo assim, e o entendemos que é, ao aceitar, o ordenamento jurídico, a existência de uma entidade sindical profissional, está ele de forma automática, reconhecendo tal entidade como legitima representante dos trabalhadores, com poder de negociar coletivamente e com ampla autotutela, através da greve.
É nesse sentido que não vislumbramos qualquer argumento jurídico na decisão do Supremo Tribunal Federal para afirmar não ser possível, dentro do ordenamento constitucional até então vigente, a negociação coletiva no setor público.
O único argumento plausível para tal negativa é o politico. A vontade do Governo é que não exista tal possibilidade.
É de se destacar que não existe qualquer preceito constitucional que desautorize a negociação coletiva no serviço público e, ainda, existem preceitos constitucionais que dão aos membros dos poderes constituídos (legislativo, executivo e judiciário) o poder de negociação e de contratação, como o § 8º do art. 37 que afirma:
“… A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo a lei dispor sobre:
I.- o prazo de duração do contrato;
II.- os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;
III.- a remuneração do pessoal…”
É de se verificar, ainda, as possibilidades previstas no § 7º e 8º. do art. 39 da CR/88, onde resta clara a possibilidade de aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, e outros, assim como a possibilidade de a remuneração do servidor público poder ser fixada por subsidio.
Atente-se, ainda, para a previsão contida nos incisos X e XI do art. 37 da CR/88, que assegura revisão geral anual das remunerações, sempre na mesma data e sem distinção de índices, independente de lei, ficando limitada a remuneração tão somente nos termos do inciso XI que estipula limites para os subsídios e remunerações.
Mas, e o art. 169 da CR/88 aplica-se para restringir a possibilidade da negociação coletiva no setor público?
Entendemos que não!