Enquanto o Direito Penal briga pela punição, o Direito Tributário busca a arrecadação do tributo. Para um, o sonegador é um criminoso que deve ser punido. Para outro, é um inadimplente que, se resolver pagar o imposto, está livre da punição.
O tema conflitante foi discutido durante o segundo dia do XI Congresso Internacional da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt), que acontece em Belo Horizonte de 22 a 24 de agosto. A riqueza do debate esteve nas duas visões apresentados: a de um juiz federal, sob a ótica do Direito Penal, e a de um professor de Direito da USP, sob a ótica do Direito Tributário.
Um dos grandes conflitos quando Direito Penal e Tributário se juntam nos chamados crimes contra a ordem tributária começa na propositura da ação penal. Ainda hoje, discute-se se o Ministério Público, a quem cabe oferecer a denúncia, tem de esperar a conclusão de um procedimento administrativo na Receita Federal, que comprove que há um crédito tributário, para poder agir.
Em 2003, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.571, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o MP não precisa esperar uma decisão do Fisco para iniciar um processo penal. Essa vinculação, expressa na Lei 9.430/96, vale só mesmo para o Fisco. Ou seja, o STF entendeu que o MP pode apresentar denúncia por crime tributário a qualquer tempo. Já o Fisco tem de esperar a conclusão do processo administrativo para levar o caso ao MP e pedir a denúncia.
O Supremo encontrou um equilíbrio, mas, em princípio, a competência para apurar crédito tributário é do Fisco, considera o professor Estevão Horvath. Fico na dúvida se o MP, sozinho, pode dizer que a conduta criminal na área tributária foi praticada, sem receber documentos do Fisco. Para ele, portanto, o início do processo penal antes do fim do processo administrativo pode gerar confusões. E se o tribunal condena o contribuinte por crime tributário e, depois, o Fisco entende que não há crédito tributário?/
O professor apontou um julgado do Superior Tribunal de Justiça, de junho deste ano, em que a 5ª Turma decidiu que nem sempre é obrigatório acabar o processo administrativo para começar o penal. Não sei se isto é possível, mas foi aberta a porta para acontecer. O STJ insiste na independência da esfera administrativa da criminal.
O juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macedo Costa aponta uma decisão tomada pelo Supremo que ele considera sábia para resolver o conflito. No Habeas Corpus 81.611, o STF decidiu que não pode haver ação penal antes do fim do processo administrativo para os crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90, que dependem do resultado supressão ou redução de tributos para serem caracterizados. Nos crimes previstos no artigo 2º da lei, não há essa necessidade de resultado, basta a conduta ser ilícita. Nestes casos, o processo judicial pode começar antes do administrativo.
Cada um na sua
Um grande esquema de sonegação fiscal tem o mesmo tratamento que um contribuinte inadimplente, alfineta o juiz federal Macedo Costa. Para ele, na maneira como está organizado o sistema tributário, não há a distinção necessária entre o criminoso e o inadimplente. A criminalização da conduta tributária tem como proposta fazer o contribuinte pagar o tributo, rebate Estevão Horvath.
Os dois se referem, por exemplo, ao tratamento dado quando o devedor quita o débito. Seja ele inadimplente ou sonegador consciente, se quita o débito, a punibilidade está automaticamente extinta. Se ele adere a um programa de parcelamento do débito fiscal, essa punibilidade e um eventual processo penal são suspensos e, às vezes, até extintos antes mesmo que o débito seja pago.
Hoje, não dá para condenar ninguém por crime tributário, afirma Macedo Costa. O juiz aponta outra distorção que acontece quando as duas áreas do Direito se cruzam: o início da contagem do prazo prescricional. No Direito Penal, começa quando ocorre o crime. No Direito Tributário, quando o débito é lançado. A minha sugestão é que o Direito Tributário e a sua finalidade arrecadatória fiquem de um lado e o Direito Penal de outro.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2007
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