Número do processo:
1.0000.00.348585-1/000(1)
Relator:
ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL
Relator do Acordão:
ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL
Data do acordão:
02/09/2003
Data da publicação:
30/09/2003
Inteiro Teor:
EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO – APROPRIAÇÃO DE DINHEIRO PROVENIENTE DE FRAUDE NO SISTEMA DE PAGAMENTO DE PESSOAL DA ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA – DEMISSÃO – AUSÊNCIA DE PROVA DA MÁ-FÉ – OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS COROLÁRIOS. Não se prova no procedimento administrativo, a má-fé do servidor em se apropriar do pagamento de importâncias, recebidas em decorrência de fraude perpetrada contra o sistema de pagamento de pessoal da administração fazendária, o ato de demissão emanado da comissão processante apresenta-se eivado de nulidade por ofensa a garantia constitucional do devido processo legal e seus corolários. Improvimento do recurso que se impõe.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.00.348585-1/000 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): ESTADO DE MINAS GERAIS – APELADO(S): RENAEL MARIANO SOARES – RELATOR: EXMO. SR. DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a SÉTIMA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 02 de setembro de 2003.
DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL – RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL:
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso de apelação.
Ascendem os autos do processo a este egrégio Tribunal, pela interposição de recurso de apelação contra a sentença de fls. 732/740, que julgou procedente o pedido formulado na inicial da Ação Ordinária Cumulada Com Pedido de Antecipação de Tutela, para declarar nulo o ato de demissão do servidor público, e determinar sua reintegração imediata no cargo ocupado.
Nas razões de fls.752/759, alega o apelante “que a demissão do servidor por recebimento dos salários dos meses de outubro de 1.999 a março de 2.000, proveniente de fraude no sistema financeiro, baseou-se em documentos e elementos de provas carreadas ao Processo Administrativo, onde foi propiciada a plenitude de defesa do apelado; que a alegação de boa-fé fundada na justificativa de ter requerido em 1.995, conversão em espécie de 1 mês de férias-prêmio não procede, pois com a EC nº 18, de 21.12.98, o artigo 31, inciso II, da Constituição Estadual, só passou a admitir a conversão de férias-prêmio em espécie por ocasião da aposentadoria do servidor, não tendo por isso, acatado mais nenhum pedido de conversão de férias-prêmio em espécie, por ocasião do aniversário do servidor, tendo ele plena condição de conhecer este fato; que se estivesse de boa-fé, teria visto que a referida conversão não poderia representar 5.655,18 ou 6.543,12, já que nos anos de 1.999 e 2.000, percebia remuneração bruta de 2.542,53; que se tratasse de conversão de férias-prêmio em espécie, estaria discriminada nos contracheques; que quanto ao crédito que diz ter com o Estado, reconhecido por sentença judicial, é inconcebível que ele apesar de obter sentença de mérito favorável, não tenha tomado conhecimento do “quantum” apurado em liquidação de sentença; que é obrigação do servidor devolver pagamentos indevidos, mas ao contrário, ele se manteve silente”.
Com efeito, o ato de demissão do apelado ocorreu ao arrepio das normas atinentes à espécie, pois apesar da existência do componente e necessário procedimento administrativo, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório não foram observados em toda a sua plenitude.
Eis a Súmula nº 20 do STF, verbis:
“É necessário processo administrativo, com ampla defesa, para demissão de funcionário público admitido por concurso”.
In casu, a despeito da punição aplicada a constituir mérito administrativo, cabe sua revisão judicial ante a inobservância dos aspectos formais e substanciais de legalidade, pertinentes à análise dos motivos ensejadores da demissão do servidor concursado, efetivo nos quadros da administração há mais de 15 anos e que necessita auferir os rendimentos do cargo para seu sustento e de sua família, medida que pela sua seriedade, deve vir acompanhada de fortes provas da participação do autor na fraude perpetrada contra o sistema de pagamento de pessoal da Fazenda Pública Estadual.
Calha à espécie o juízo crítico do jurista José Afonso da Silva, a respeito:
“O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta Inglesa, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV), contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e quando se fala em processo, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, as formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais, conforme autorizada lição de Frederico Marques”. (Direito Constitucional Positivo, 9ª ed. Pág. 378).
Compulsando o processo administrativo trazido aos autos, em momento algum foi demonstrada a prática do ato imputado ao apelado, de ter se apoderado indevidamente de verbas salariais em detrimento dos cofres públicos.
Consoante mencionado no Processo Administrativo Disciplinar “o indiciado Sr. Ranael Mariano Soares, Masp. 272.273-4, cometeu falta disciplinar, ao final capitulada por apropriação de dinheiro público de que teve posse na qualidade de servidor público, relativamente ao recebimento ilícito de vencimentos pagos mediante fraude no sistema de pagamento de pessoal, nos meses de outubro/1.999, no valor de R$ 5.655,18 e março/2.000, no valor de R$ 6.453,21, provocando lesão aos cofres públicos”.
No entanto a única prova contundente a respeito da má-fé no recebimento dos referidos valores, ocorreu em relação a Sra. Saluá Maria Cota Augusto, sendo a motivação do ato de demissão do autor proferido pela comissão processante às fls. 317, eivado de parcialidade e desprovido de elemento probatório, baseado que foi apenas em ilações.
O ato de apropriação do dinheiro pelo servidor poderia perfeitamente, uma vez que não se comprovou o contrário, ter se dado a título de recebimento de verbas retidas, como ele alega nas contra-razões de apelação, e mesmo que tivesse agido ele de má-fé, sabedor portanto da irregularidade do pagamento, o fato em tela seria perfeitamente enquadrável no artigo 246, inciso V, da Lei nº 869/52, Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais, verbis:
“Art. 246 – A pena de suspensão será aplicada em casos de :
V- Recebimento doloso e indevido de vencimentos ou remuneração ou vantagens;
§ 1º – A pena de suspensão não poderá exceder de noventa dias”.
Em assim sendo, a demissão proferida pela comissão processante encarregada do procedimento administrativo, além de arbitrária e ilegal, mostra-se ofensiva ao princípio da proporcionalidade que deve reger os atos da administração pública.
Com estas razões, nega-se provimento a apelação, para manter na íntegra a bem lançada sentença de 1º grau de jurisdição.
Custas na forma da lei.
O SR. DES. EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. WANDER MAROTTA:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.
Fonte: TJMG, 30 de setembro de 2003.