Em interessante artigo intitulado Fisco não pode embasar autuações em indícios, apenas, publicado no Consultor Jurídico em 27 de setembro último, o advogado tributarista Raul Haidar faz críticas ao Fisco de São Paulo a propósito da Operação Cartão Vermelho, acionamento fiscal realizado com base nas informações das administradoras de cartões de crédito e débito sobre as operações realizadas por contribuintes paulistas estabelecidos no ramo comercial varejista.
A partir do conhecimento que teve de um caso concreto, já antigo, acusa a Secretaria da Fazenda de, também desta feita, adotar um raciocínio simplista em relação aos dados fornecidos pelas administradoras de cartões, como se a totalidade dos valores informados representasse apenas vendas sujeitas ao ICMS e sempre a uma mesma alíquota de 18%. Para o autor, a diferença entre valores recebidos através de cartões de crédito e as operações declaradas pelo contribuinte pode ser indício, mas nem sempre é certeza. E não, necessariamente, fraude ou má fé. Cita, por fim, jurisprudência e doutrina em abono ao entendimento de que presunção pode levar a erro, da mesma forma que indícios não são suficientes para embasar autuações.
No intuito de reforçar sua tese de que a presunção não pode ser transformada em verdade, retrata-se de críticas feitas anteriormente em relação à pessoa do Secretário da Fazenda, dizendo haver presumido errado.
Receio que, igualmente desta feita, o ilustre advogado terá de retornar às páginas do Consultor Jurídico para recitar o Confiteor.
Seu artigo foi escrito apenas um dia após a operação, a partir de notícia estampada no Diário Oficial do Estado, na edição de 26 de setembro. Tudo leva e crer, assim, que o nobre articulista transformou suas primeiras impressões subjetivas em discurso, sem que houvesse tomado conhecimento dos termos da notificação entregue aos 400 contribuintes acionados. E, com certeza, sem também ter tido acesso ao detalhado Plano de Trabalho elaborado pelos técnicos da Sefaz para direcionar os procedimentos da fiscalização junto às empresas dos contribuintes.
Há pelo menos 5 anos que os acionamentos fiscais da Secretaria da Fazenda são precedidos de rigoroso planejamento operacional, elaborado a partir de diretrizes fixadas pela Diretoria Executiva da Administração Tributária (órgão em que, por sinal, tive a honra de conviver com o Haidar quando de sua curta passagem pelo serviço público). Se a empresa do contribuinte fiscalizado, por exemplo, está organizada como rede de estabelecimentos, são realizadas reuniões de trabalho antes e no decorrer dos procedimentos de fiscalização, durante as quais são adotadas deliberações conjuntas registradas em ata, de observância obrigatória.
No caso específico da Operação Cartão Vermelho, o respectivo Plano de Trabalho foi produzido pela Supervisão de Redes de Estabelecimentos com base em de projeto piloto conduzido na região da Lapa em 10 contribuintes, e adotado após intensa e enriquecedora discussão interna, a partir da qual foram fixadas diretrizes de ação, roteiros de auditoria a serem implementados com base em formulários seqüenciais e orientação jurídica em termos de capitulação da infração e da penalidade aplicável.
A propósito, o plano prevê que os roteiros de auditoria serão necessariamente precedidos de uma fase preliminar de ajuste entre as informações fornecidas ao Fisco pelas administradoras de cartões, tendo por referência as operações realizadas pelos contribuintes, e as informações recebidas pelos contribuintes das mesmas administradoras, de caráter exclusivamente financeiro. Somente após a conciliação ou consistência dos valores envolvidos é que será iniciada a execução dos roteiros de auditoria, que prevêem, naturalmente, a exclusão dos valores relativos a operações não tributadas ou isentas.
Nada que lembre, sequer de longe, o procedimento fiscal açodado criticado pelo articulista.
Por isso, tem ele razão ao afirmar que não se haverá transformar indícios em provas, limitando-se o Fisco a abonar, sem maiores cuidados, informações recebidas de terceiros. Isso não obstante tenha já se constatado, na hipótese específica dos arquivos fornecidos pelas administradoras de cartões, a excelente qualidade do conteúdo informado à Fazenda do Estado.
No mais, em que pese a perplexidade traduzida pelo advogado Haidar, asseguro-lhe que as evidências afloradas após o cruzamento dos valores informados ao Fisco pelas administradoras de cartões com aqueles declarados pelos contribuintes surpreenderam os mais experimentados técnicos da Fazenda, até mesmo em decorrência de constatações que extrapolam o âmbito estritamente tributário. Realmente uma parte das empresas omitiu-se na prestação, ao Fisco, de informações sobre seu movimento tributável, enquanto outras, em atitude de inequívoca má fé, declararam movimento zero não obstante houvessem realizado operações sujeitas ao ICMS.
Quanto às críticas do ilustre advogado à denominação da operação, entendo ser esta uma questão de somenos importância. De todo modo, valeria observar que as denominações se prestam, em primeiro lugar, para distinguir, no curso do tempo, um conjunto relevante de medidas de impacto adotadas por determinado órgão público junto a determinado segmento social ou econômico. No caso da Operação Cartão Vermelho, a denominação foi utilizada com a intenção de passar uma mensagem de advertência aos contribuintes em geral, alertando-os para os riscos inerentes à falta de declaração de seu movimento econômico real e, com isso, estimular o cumprimento espontâneo dos deveres tributários.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de outubro de 2007