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Artigo | Grande sertão, Veredas…

No seu último livro: “O Povo Brasileiro” Darcy Ribeiro sintetiza de forma metodológica as características básicas do Sertanejo em similitude com as falas de Guimarães Rosa em “Grande Sertão Veredas”, Petrônio Braz em “A Saga de Antônio Dó” e Simeão Ribeiro Pires em seus vários escritos e estudos.

Petrônio Braz estudou o sertanejo percorrendo, ele mesmo, os caminhos de São Francisco , Serra das Araras e Januária; Guimarães Rosa em apenas uma jornada acompanhado de Manuelzão e Darcy. que nunca esteve demoradamente nas veredas dos Buritis, pesquisava muito, entrevistava muito e sintetizou o sertanejo nestes termos: “O sertanejo arcaico caracteriza-se por sua religiosidade singela tendente ao messianismo fanático, por seu carrancismo de hábitos, por seu laconismo e rusticidade, por sua predisposição ao sacrifício e à violência. E, ainda, pelas qualidades morais características das formações pastoris do mundo inteiro, como o culto da honra pessoal, o brio e a fidelidade a suas chefaturas.” Esses traços peculiares ensejaram muitas vezes o desenvolvimento de formas anômicas de conduta que envolveram enormes multidões, criando problemas sociais da maior gravidade. Suas duas formas principais de  expressão foram o cangaço e o fanatismo religioso, desencadeados ambos pelas condições de penúria que suporta o sertanejo, mas conformadas pelas singularidades do seu mundo cultural.

Até meados da década de 1930, quando se acelerou a construção de estradas através do mediterrâneo sertanejo, operava, como forma de revolta típica da região o cangaço. Foi uma forma de banditismo típica do sertão pastoril, estruturando-se e bandos de jagunços vestidos como vaqueiros, bem armados, que percorreram as estradas do sertão em cavalgadas, como ondas de violência justiceira.

Cada integrante do bando tinha a sua própria justificativa moral para aliciar-se no cangaço. Um, para vingar uma ofensa à sua honra pessoal ou familiar, outro, para fazer justiça com as próprias mãos, em razão de agravos sofridos de um coronel local; todos fazendo do banditismo uma expressão de revolta sertaneja contra as injustiças do mundo.

Resultaram, por vezes, na eclosão de um tipo particular de heroísmo selvagem que conduziu a extremos de ferocidade. Tais foram os cangaceiros célebres que, se por um lado ressarciam aos pobres de sua pobreza com os bens que distribuíam depois de cada assalto, por outro, matavam, estropiavam, violentavam, em puras exibições de fúria.

É de assinalar que o cangaço surgiu, no enquadramento social do sertão, fruto do próprio sistema senhorial do latifúndio pastoril, que incentivava o banditismo, pelo aliciamento de jagunços pelos coronéis como seus capangas (guarda de corpo) e, também, como seus vingadores.

Frequentemente, os fazendeiros aliciavam grandes bandos, concentrando-os nas fazendas, quando duas parentelas de coronéis se afrontavam nas frequentes disputas de terra. Esses capangas, estimados pela lealdade que desenvolviam para com seus amos, pela coragem pessoal e até pela ferocidade que os tornava capazes de executar qualquer mandado, destacavam-se da massa sertaneja, recebendo um tratamento privilegiado de seus senhores.

Acresce que cada bando de cangaceiros tinha seus coronéis costeiros, que os escondiam e protegiam em suas terras, em troca de segurança contra o próprio bando, mas também para servirem-se deles contra inimigos. Nessas condições, são condicionamentos sociais do próprio sistema que alentaram e incentivaram a violência cangaceira. Mais relevante, ainda, é o fato de que toda população sertaneja, renegando embora os jagunços pelo pavor que lhe infundiam, tinham nele padrões ideais de honorabilidade e de valor, cantados nos versos populares, e via, nos seus feitos mais violentos, modelos de justiça realçados e louvados.

Por tudo isso, o cangaço e seus jagunços, sanguinários mas pios e tementes a Deus e aos Santos de sua devoção, temidos mas admirados, condenados mas também louvados, constituíram um produto típico na sociedade sertaneja.  E é este produto retratado na “Saga de Antônio Dó” que o Brasil terá oportunidade de assistir nas telas do cinema muito em breve, após um dos mais ricos apanhados do sertão e veredas pelo sanfranciscano Petrônio Braz. Antônio Dó, bandido para alguns e herói para vários outros até hoje divide opiniões e Petrônio resgata com maestria toda esta história  que com certeza encantará a todos pela beleza do Rio São Francisco e a força do barranqueiro. Quem puder assistir, verá!

Gustavo Mameluque
Gestor Fazendário – Diretor Jurídico do Sinfazfisco-MG
Jornalista e Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros

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